O Orçamento do Estado para 2021 alterou significativamente o enquadramento tributário das transferências de imóveis entre a esfera particular e empresarial/profissional dos sujeitos passivos de IRS, qualquer que seja o sentido em que operem essas transferências, no sentido de, tendencialmente, conferir neutralidade fiscal a essas transferências.

Até 2020, o sujeito passivo que afetasse imóveis do seu património particular a uma atividade empresarial/profissional e, posteriormente, os desafetasse dessa atividade, para que regressassem ao seu património particular, era tributado relativamente às mais-valias apuradas nessas duas transferências, sem prejuízo da tributação decorrente de uma ulterior alienação do imóvel a um terceiro.

Assim, à data da restituição ao património pessoal, ocorriam dois factos tributários:

  1. na esfera da categoria B, pelo facto de o imóvel deixar de integrar o ativo da sua atividade empresarial/profissional e
  2. na esfera da categoria G, pelo facto de o imóvel ser restituído à esfera particular, tendo em conta que tal mais-valia se encontrava suspensa desde o momento da afetação do imóvel da esfera particular à esfera empresarial/profissiona

Este quadro tributário assentava numa ficção de manifestação de capacidade contributiva decorrente da afetação e desafetação do imóvel a diferentes esferas patrimoniais do mesmo sujeito passivo.

Capacidade contributiva esta que, a existir, mais não corresponderia do que a uma mera mais-valia potencial ou latente, cuja tributação repudia os princípios estruturantes do IRS. Desde logo, porque não é evidente que o imóvel se valorize somente por ser afeto a uma atividade empresarial e, mesmo que tal suceda, tal valorização não tem uma correspondência financeira por não ter ocorrido a realização de tal mais-valia potencial.

Em 2020, para mitigar os efeitos desta tributação à data da restituição do imóvel ao património particular, tinha sido introduzida uma alteração legislativa que previa a total exclusão de tributação, quer na esfera da categoria G quer na da categoria B, no momento da restituição de imóvel habitacional ao património particular, em determinadas condições (não exatamente similares para cada uma das categorias).

Nessa conformidade, não só a tributação na categoria B deixava de ser aplicável, sob condição de imediata afetação do imóvel habitacional à obtenção de rendimentos da categoria F, como a mais-valia da categoria G, que se encontrava suspensa na decorrência da prévia afetação do imóvel da esfera pessoal à empresarial/profissional, passava a estar, simplesmente, excluída de tributação se o imóvel em causa fosse não só afeto à obtenção de rendimentos da categoria F, mas também durante cinco anos consecutivos.

Em 2021, o quadro normativo é alterado na sua globalidade, eliminando-se a tal ficção de manifestação de capacidade contributiva decorrente da afetação e desafetação do imóvel a diferentes esferas patrimoniais do mesmo sujeito passivo.

O propósito deste novo quadro normativo é que o proprietário do imóvel o possa transferir entre o seu património pessoal e o empresarial/profissional, sem que daí resulte, em regra, tributação, a qual deve ocorrer somente quando a referida capacidade contributiva se materializar com a venda do imóvel a um terceiro, fora do contexto de afetação e desafetação entre as esferas patrimoniais do sujeito passivo.

Passam também a estar sujeitos às novas regras quaisquer imóveis (por exemplo, lojas, armazéns, escritórios) e já não apenas imóveis habitacionais, como sucedia até 2020. Assim, esta temática passa a relevar para atividades económicas para além do alojamento local, sede na qual se colocavam maioritariamente.

Assim, são reformuladas as regras de tributação com o seguinte sentido:

  1. Afetação de bens imóveis do património particular a atividade empresarial/profissional Deixam de considerar-se rendimentos da categoria G as mais-valias apuradas na transferência de um imóvel do património pessoal para uma atividade empresarial; o rendimento só se considera obtido no momento da posterior alienação dos bens, ou seja, em momento subsequente à restituição do imóvel à esfera particular. Deixa, portanto, de se ficcionar a existência de uma mais-valia (ainda que suspensa) no momento inicial da afetação. Assim, se não há facto tributário no momento inicial da afetação, a mais-valia só pode ser tributada no momento da alienação, após restituição ao património pessoal. Em relação a todos os outros bens com exceção dos imóveis, mantém-se o regime de diferimento da tributação como mais-valia na categoria G de IRS da transferência para a atividade empresarial ou profissional do sujeito passivo da categoria B de IRS.
  2. Transferência de imóveis afetos à atividade empresarial para o património particular Em regra, a transferência para o património particular dos empresários de bens imóveis passa a não constituir um rendimento da categoria B, tal só acontecendo se a transferência respeitar a outros bens.Importa, contudo, considerar o caso específico da transferência de imóvel que esteve afeto a atividade empresarial de sujeito passivo da categoria B de IRS enquadrado no regime de tributação da contabilidade organizada. Com efeito, nesta situação, não se verificará a neutralidade fiscal que, sendo a regra deste novo quadro normativo, comporta uma exceção de natureza antiabusiva. Neste caso, quando um imóvel que tenha estado afeto a atividade empresarial ou profissional for transferido para o património particular do empresário, sujeito passivo da categoria B de IRS enquadrado no regime de tributação da contabilidade organizada, haverá tributação, na esfera da categoria B, dos gastos fiscalmente aceites com depreciações ou imparidades, durante o período em que o imóvel esteve afeto à atividade; esta tributação ocorre em 4 anos, dando-se essa tributação no ano da transferência, e em partes iguais, em cada um dos três anos seguintes (25% em cada ano). Neste caso, os gastos fiscais assim acrescidos ao longo de quatro anos serão adicionados ao valor de aquisição para a determinação da mais-valia da categoria G, aquando da ulterior venda do imóvel.No regime simplificado não se aplica esta disposição, pelo que será apenas apurada a mais ou menos-valia decorrente da alienação do imóvel (decorrente de uma alienação a um terceiro e não das operações de afetação e desafetação), conforme ponto seguinte.
  3. Venda de imóvel que esteve afeto à atividade empresarialSubsequentemente à restituição do imóvel para o património particular, e ocorrendo a venda do imóvel a terceiro, deve ser apurada uma mais-valia, mas que pode ser determinada de acordo com as regras da categoria B ou G, conforme o momento em que o imóvel foi alienado após a transferência para o património particular, nos seguintes termos:
  • Se a alienação se verificar antes de decorridos 3 anos da transferência, as mais-valias são tributadas como rendimentos da categoria G, mas de acordo com as regras da categoria B.
  • Se a alienação se verificar depois de decorridos 3 anos da transferência: os ganhos obtidos são tributados como mais-valias (Categoria G). Contudo, deixam de ser considerados no cálculo da mais-valia os encargos suportados com a valorização dos imóveis durante o período em que os mesmos tenham estado afetos à atividade empresarial/profissional.

Foi ainda previsto um regime transitório que obriga à aplicação destas novas regras às mais-valias suspensas, ou seja, para todas as situações em que a afetação da esfera particular à empresarial e vice-versa ocorreu até 31 de dezembro de 2020.

Os sujeitos passivos que tenham, à data de 1 de janeiro 2021, bens imóveis afetos à atividade empresarial e profissional podem optar pelo regime anterior de apuramento de mais-valias e menos-valias decorrentes da afetação de bens imóveis, devendo indicar essa opção na declaração periódica de rendimentos modelo 3 do IRS relativa ao ano de 2021, bem como identificar os imóveis afetos à atividade empresarial e profissional e a data da sua afetação.

Ou seja, podem optar pelo regime em que a afetação de imóvel do património pessoal à atividade empresarial era tributada segundo as regras da Categoria G e a posterior transferência do património empresarial para o património pessoal do empresário era tributada na esfera e de acordo com as regras da Categoria B.

Artigo original: Transferência de imóveis entre o património pessoal e empresarial – Vida Económica